Contos


PEDRO LAGO









O CONTO DA CANETA
DE BOSTON

...estou  só,
estou só
com Deus
você também
pensa em nem
pensar em mim
para  estar só,
com Deus






Pedro Lago








O CONTO DA CANETA
DE BOSTON


quem irá nos  impedir
de amar
a solidão
incinera, esquece
das coisas
do mundo 
das formas
da ilusão
Agora, lá fora há
o nada, ar.

Aquarelas

Pedro Lago
Ângela Lago
Rosa Maria Unda Souki

1ª edição




PQP&E - Pão de Queijo Produção e Eventos
Forno Harmônico – Edições e Impressões
         

     Houve há muito tempo uma caneta mística, misteriosa e poderosa. De posse do Rei Popu, poderoso governador do mundo nos idos tempos em que o mundo possuía somente um grande continente, e todas as terras estavam separadas por poucos dias de travessia. Vinha direto do povoado de Boston, diziam. E havia sido fabricada e banhada, à ouro, por lá. Reza a lenda que tudo o que era escrito com a Caneta tornava-se realidade, a Caneta continha todo o poder da realeza e da realidade. Isto posto, os causos contados neste conto são reais, comprovados pelos manuscritos originais da Caneta de Boston.
Contudo, diz a sabedoria popular, quem conta um conto aumenta um ponto, e por isso é possível que alguns pontos tenham sido incluídos por outras canetas ao transmitirem, os pais e avós, a história da Caneta de Boston aos seus filhos e netos.



Muitos e muitos milanos depois, após a Pangéia e a separação dos povos e territórios, a Caneta atravessou oceanos e mares dentro de uma garrafa de uísque de Boston, bebida preferida do falecido Rei Popu. Doutro lado do atlântico a garrafa e a caneta foram, como encantadas, aportar na praia dos Sonhos, a preferida do menino Petrus. O menino havia abandonado as montanhas donde cresceu ao nascer-lhe o seu primeiro fio de bigode. Disseram-lhe, menino homem, deve ir ganhar a vida na Selva de Pedra. Mesmo sem entender o que lhe diziam, achou importante esse negócio de ganhar a vida, e foi. Não possuía nada mais além do crucifixo de madeira, de uma pedra (não) preciosa e agora uma, digo, a Caneta de Boston.



Havia um problema, ele não havia passado por nenhum colégio ou faculdade e não tinha o sangue dos reis, tampouco havia nascido em berço, quanto mais de ouro. Não tinha diplomas, nem placas. A Caneta dourada era para o menino-homem um brinquedo, com o qual ele desenhava ou escrevia à sua forma o que aprendia de mais importante a cada dia. Naquele dia, ele rabiscou suas primeiras observações sobre a Selva, seu novo habitat. Seus desenhos e rabiscos tentavam traduzir sua natureza, pensamentos e sentimentos genuínos: “Prosperidade é sentimento. Não é ter, nem coisa nem dinheiro. É ser. Feliz, eu mesmo. Trabalho é uma ação que transforma a nossa realidade para melhor ou para pior. Não é tripalium, instrumento de tortura. Não é maneira de ganhar a vida. Desde que nasci, a vida já está ganha.”



Os habitantes da selva viviam conectados desde que se punham de pé até na hora de ir pra cama. E até mesmo enquanto dormiam, mantinham seus aparelhos eletrônicos embaixo de seus travesseiros. Nem bem acordavam, corriam para suas máquinas dar “bom dia” aos seus amigos imaginários, que chamavam de virtuais. Assim, todos pareciam esquecer-se da conexão mais importante do homem; consigo mesmo, a natureza e o seu Criador.



Petrus sabia que sua conexão, apesar de não ter cabos, nem fios, tampouco antenas de uai-fai, era a única conexão capaz de libertá-lo. Enquanto os outros pareciam querer a libertação através da vivência de uma outra vida, puramente digital e virtual; injusta e sem graça que chamavam de Vida Real: esterilizada, pasteurizada e impermeabilizada pela tecnologia, pela televisão, pelo asfalto, pelo açúcar e pelo sal. “Indefesos e desconectados, confundem ainda o que é normal com o que é natural e vice-versa. Confundem instintos de sobrevivência com doenças e vice-versa. Intenção sem ação é vontade. Vida é ação contínua, é movimento constante de vir-a-ser.”



Petrus já desistiu de seu trabalho na selva de pedra? Não, pediu licença. E lhe concederam? Ele mesmo lhe concedeu. Ah, esse menino das montanhas é um perigo para nossa sociedade. É, tem quebrado cada regra que encontra pelo caminho. Então quer dizer que ele ainda não saiu do banco? Não, senhor, ele fundou um banco. O que?! um menino da montanha, um homem das cavernas fundou um banco? com o que, que garantias ele aportou para o empréstimo, como levantou fundos?! Penhorou uma pedra e deu seu crucifixo em garantia, ah... e uma caneta que achou na praia ele alienou fiduciariamente. Ora, essa pedra deve ser valiosíssima, eu quero vê-la! Não, senhor, ele achou na cachoeira quando criança.

Mas que diabos, quantas maneiras mais ele arranjou para levantar a verba? Que diabo o quê, sô. O crucifixo é de madeira, sua avó quem lhe deu. E o homem na cruz está vivo, e sorrindo. Vivo?! Lá vem você de novo com essa história de “ressuscitou no 3º dia...” Espera aí, Você disse madeira? Então essa tal caneta é que é muitíssimo valiosa, é obvio! Deve ser com ela que ele tornou todos esses projetos dólares. Digo, reais. Traga-me já aquela caneta. Mas o Senhor a deu a ele como um presente. Cale-se, aquele cabeção é de vento. Ele vai esquecê-la em qualquer canto.


No sétimo dia, triste e desiludido, confiante e inconformado, Petrus subiu ao monte chamado Canto da Paz, exercitou-se a calar o seu ego, seus quereres e seus temores. Escreveu, rabiscou e desenhou aquilo que acreditava ser a vontade de Deus para sua vida, os seus valores fundamentais. Pediu o conhecimento e rabiscou um esboço daquilo que ele próprio acreditava ser a vontade divina. Por fim, desenhou-se, a si mesmo e ao que tinha de verdadeiramente precioso: suas amadas pedra e caneta, a simplicidade e verdade que lhe trazia a paz interior, e a liberdade que experimentava através de sua conexão. E, finalmente, retirou do pescoço, colocou-o sobre o papel e contornou com sua caneta, desenhando seu amado crucifixo, sinal sagrado do amor do Pai, do filho e do Espírito Santo (e de sua reciprocidade).




Que assim seja
QUEM SOU EU?
Toda vida merece
um livro
Em toda casa tem
um autor
Em cada canto
uma empresa
Em cada artista um
empreendedor

Todo artista merece
uma casa,
um livro,
uma cara

Onde possa expressar
Sua dor
Portanto
Pensar e Sentir...
Agir! Agora!

Pegue sua enxada, sua cara, sua caneta para
Seguir com essa
Gente
On the road